top of page

Minha ferida mais profunda: retalhos de uma história incompleta da minha família

Fui castrado. É um exagero e um drama, mas é impactante tal qual a ferida relacionada. Mais precisamente, não recebi suporte para desenvolver a minha missão de vida.

Tomo a liberdade de preencher algumas lacunas da narrativa com minha percepção e crença pessoais, o que faz total sentido, posto que é a narrativa da minha vida.

Na cultura tradicional indiana, o darma é o caminho de vida do indivíduo, seu destino, sua missão de vida. Sempre que nos desviamos do nosso darma, adoecemos. Quiçá primeiro psicologicamente e, quando não se é possível solucionar o desequílibrio nesse plano, adoecemos fisicamente.

Penso que a missão de todos nós seja nos individuarmos. Porém, cada qual tem seu próprio caminho nessa jornada, dependendo da sua história, de suas escolhas, nessa vida e nas anteriores. A vida nos oferece as oportunidades para avançarmos na jornada rumo à individuação e indubtavelmente os relacionamentos são o palco principal da peça. E se precisarmos recomeçar, se nosso livre-arbítrio nos levou à estagnação, as leis da vida nos permitem recomeçar com as condições mais favoráveis, apesar de tanto mais desafiadoras quanto maior a teimosia.

Não sei as minhas vidas passadas nem de minha família, mas penso que eu preciso reconstruir minha energia masculina, com bases saudáveis dessa vez. Quiçá por muito tempo usei a energia masculina apenas em seu pólo negativo, destruindo, ferindo e desrespeitando em benefício próprio. Tive várias vidas desenvolvendo minha energia feminina positiva para balancear o masculino sombrio. E nessa vida nasci homem para apropriar-me do masculino numinoso. É esse o veio principal do meu darma, tendo a possibilidade de derivações maravilhosas em benefício dos outros.

Vários comportamentos meus eram sintomas que puderam ser explicados pela identificação dessa ferida: dói, não desenvolver o aspecto mais importante do meu darma dói. É como se eu não tivesse o direito de entrar na vida. O tíquete de entrada para o espetáculo da minha própria vida é ter fundado o masculino numinoso. Eu gritei e esperneei e briguei: eu sou o personagem principal, ninguém pode me barrar a entrada! Mas sem o tíquete, não posso entrar. Do lado de fora, espiei o palco por entre as frestas e a vida acontecia feliz e risonha para todos. Menos para mim. Reuni tudo o que tenho de melhor, todo o meu feminino mais numinoso e maravilhoso e incrível, vesti-me mulher, linda; mas mesmo assim fui barrado e impedido de entrar. Dói ser rejeitado pela própria vida porque deixei de construir os alicerces que me sustentarão no meu darma.

O desenvolvimento da minha energia masculina estagnou-se em minha adolescência. Meu corpo adentrou na puberdade e avançou pelos anos adiante que vieram. Mas meu psiquismo não soube por onde ir. Faltaram exemplos. As consequências da história (desconhecida) da minha família, paterna e materna, foram tais que essa lacuna de masculino numinoso perpetuou-se, impactando a mim (e, ouso dizer, à minha irmão e ao meu irmão, em diferentes intensidades).

Essa foi a minha castração. Uma omissão sem causa-raiz cuja consequência para mim foi a dor de ser rejeitado por minha própria vida.

Explodia de raiva destrutiva quando o resultado não era o que eu queria; omitia minha vontade de não brincar com minha irmã, enganando-a; namorei quatro anos a mais uma garota por não me achar capaz de merecer o amor de outra (baixa auto-estima, dependência emocional); entrei em depressão na faculdade; sofri intensamente três anos após minha namorada terminar o relacionamento; convencia-me a aprender a gostar do meu trabalho maçante para não jogar fora a sorte de ter encontrado um; busquei de diferentes maneiras uma referência de masculino, com diferentes pessoas, sem sucesso: ninguém quis me adotar; fiquei seminu em situações inapropriadas; deixe-me ser penetrado e pratiquei felação; depilei as pernas, o púbis, as axilas e a sombrancelha; passei esmalte nas unhas; usei calcinha, meia-calça, saia, vestido, sutiã e maquiagem; deixei o cabelo e as unhas crescerem; descobri que minha hemorróida simboliza os lábios da vulva que quis ter por não equilibrar minha psique com o masculino numinoso; meu desvio de septo nasal indica o mesmo desequilíbrio; não me vi no útero de minha mãe numa sessão de terapia de vida passada. Sintomas de minha ferida mais doída: o desenvolvimento que não tive, porque ninguém pôde mo oferecer.

Porém, sempre cri que os meus 33 anos seriam um ponto crítico. E o número relaciona-se sim com a idade de Jesus, pois seu símbolo de masculino numinoso é extremamente forte. Pensei que esse texto seria mais uma catarse do meu inconsciente, mas não consigo sentir o drama ou a revolta ou outra emoção intensa. O texto saiu-me como uma narrativa histórica, uma constatação dos fatos, das conclusões. E também nasceu do desejo de organizar as minhas ideias e de poder comunicá-las, ou através diretamente desse texto ou por conversas a respeito.

A solução que acatei é eu ser pai de mim mesmo! É eu escolher e decidir por mim mesmo as referências para desenvolver meu masculino numinoso. É permitir que o masculino que explodia de raiva quando criança e que foi acalmado quando comecei a praticar kung fu para posteriormente ser silenciado e reprimido durante a adolescência como estratégia de aceitação, é permitir que ele saia de sua caverna e venha à luz para continuar o seu desenvolvimento interrompido. Sendo eu o seu exemplo, o seu guia, o seu pai.

O que é saudável ou não num namoro, num relacionamento, no casamento? Como escolher uma parceira? Qual a importância da sexualidade na vida? Como expressar a sexualidade? Como lidar com os tabus, em especial os sexuais? Como evitar o preconceito sem se omitir? Como cultivar uma paz verdadeira, enfrentando conflitos, ao invés de uma paz de pântano? Como estabelecer limites e fazê-los serem respeitados sem ofender o outro? Qual a importância de cultivar amizades? Como ser um bom filho? Qual é o jeito certo de ser adulto? Como a família vai se transformar quando todos crescerem e tiverem suas próprias famílias? Como tomar decisões importantes de um jeito leve, por exemplo, qual casa comprar? É permitido errar? Quando desistir de um relacionamento? Como lidar com as diferenças dentro do casamento? O que é um casamento feliz? O que é ser um bom tio? Como criar a prole? Até que ponto desafiar as normas culturais? Qual é o melhor balanço entre prazer e dever? Quando insistir e quando resignar-se? Como liderar a família?

Aos 33 anos volto-me a Pai Celestial, à sua aceitação e ao seu amor incondicionais, e entro na fase da minha vida em que começo a caminhar em meu darma. Agora, a vida para a qual vim aqui (re)começa!

Andrey Bugarin Woiski Miranda
03-nov-2020

PS: ser o barco que me navega pela Vida é a principal função do meu masculino numinoso.

bottom of page